Banhos na Idade Média


Romanos e Árabes haviam trazido para a península práticas que, em Portugal, iriam perdurar mesmo na Idade Média. Banhar o corpo, porém, não implicava então um estrito conceito de limpeza.
Na Grécia, o banho era uma extensão necessária da prática de ginástica: um banho revigorante, frio e breve. Em Roma e no Islão estava implicita a ideia de repouso e de convívio: uma prática social, um ritual simbólico.
O banho comunal na Idade Média e o banho Turco, nas numerosas formas que assumiu na Europa, tinham fins semelhantes. A isso se refere Georges Vigarello em "O Limpo e o Sujo": «Em setembro de 1462, o duque Philippe le Bon ofereceu um jantar aos embaixadores do rico duque da Baviera e do conde de Würtenberg e mandou servir cinco pratos de carne para festejar nos banhos».
A ideologia cristã, no entanto, viria a instaurar preconceitos e a impor uma outra moral e consequentes novos costumes. Não que a igreja não se ativesse à limpeza dos corpos. Mais temia, contudo, pela sujidade das almas: os hábitos promiscuos eram uma porta aberta ao pecado. Havia assim que evitar os banhos públicos, locais «propícios à devassidão e ao amolecimento dos costumes»("A Sociedade Medieval Portuguesa" de A.H. de Oliveira Marques).
O elemento essencial na casa medieval é a sala, onde se reúne toda a família. Refeições, baptismos, casamentos, veladas dos mortos, reuniões de família,.... Isto acontece tanto nas casas de camponeses como nos castelos. As mesas são simples tábuas que se montam sobre cavaletes no momento de servir e que se guardam seguidamente junto às paredes para não estorvarem. As outras divisões são apenas acessórias, mas existem. A cozinha é separada, ocupando um edifício à parte para limitar os riscos de incêndio.
Os quartos são mobilados com mais conforto do que geralmente se crê. O mobiliário compreende as camas bem adornadas e cobertas de colchas e de tapetes, com lençois brancos e peles, os tamboretes, as cadeiras de espaldar alto e esses baús e cofres esculpidos, onde se guarda a roupa. Adjacente os quartos existiam os redutos chamados privados, aquilo que nos habituamos a chamar de W.C.. Por espantoso que possa parecer não faltava em nenhuma casa da Idade Média. A delicadeza ia mesmo muito longe neste aspecto, pois parecia pouco refinado não possuir as suas retretes particulares.A regra manda que cada um tenha as suas e seja o único a utiliza-las. Os costumes só se tornaram grosseioros neste ponto a partir do século XVI, que aliás viu serem desprezadas quase todas as práticas de higiene que a Idade Média conhecia.
Se não se tomava banho todos os dias na Idade Média (poder-se-à afirmar que se trata de um hábito generalizado na nossa época?), pelo menos os banhos faziam parte da vida corrente. A banheira é uma peça do mobiliário. Não passa muitas vezes de uma simples tina, e o seu nome dolium, que significa também tonel, pode prestar-se a confusões. Gostava-se muito de ir, no Verão, folgar para os rios, na mais simples indumentária, pois a ideia de pudor de então era muito diferente da que temos hoje em dia, e tomava-se banho nú, tal como se dormia nú entre os lençois.
Tudo isto está longe das ideias aceites acerca do asseio na Idade Média, e contudo os documentos existem. O erro proveio de uma confusão com as épocas que se seguiram
Com os grandes surtos epidémicos instala-se a convicção de que a água, por efeito da pressão e sobretudo do calor, abria os poros e tornava o corpo receptivo à entrada de todos os males. Desde o século XV que os médicos condenavam a utilização dos balneários públicos e das estufas. defendiam a teoria de que «depois do banho, a carne e o hábito do corpo amolecem e os poros abrem-se e, assim, o vapor empestado pode entrar prontamente no corpo e provocar a morte súbita» ("O Limpo e o Sujo"). As normas de civilidade ca corte, a aprtir do século XVI preconizam que lavar é antes friccionar; limpeza a "seco".«As crianças limparão o rosto e os olhos com um pano branco, que desengordura e deixa a pele na sua constituição e tom natural. A água prejudica a vista, provoca dores de dentes e catarro» ("O Limpo e o Sujo").


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© Eduardo de Vasconcelos, 1997 edvasc@clix.pt